Entrevista exclusiva com a professora do Rio Grande do Norte que ganhou notoriedade com denúncias sobre a situação da educação no país
POR GIL MARANHÃO
AGÊNCIA POLÍTICA REAL
“O PNE de Dilma é cheio de contradições no próprio texto” (...) “reafirma a política de privatização da educação implementada por Lula, e garantiria uma série de benefícios aos empresários do setor” (...) “só viria a prejudicar ainda mais a educação não só no Rio Grande do Norte, mas em todo o Brasil”.
Os trechos são de uma entrevista exclusiva que a professora potiguar Amanda Gurgel de Freitas concedeu esta semana, à Agência Política Real, após participar de uma audiência pública na Câmara dos Deputados.
A professora se notabilizou por fazer denúncias sobre a situação deprimente dos professores do Rio Grande do Norte e da educação no país, em um evento realizado mês passado, em Natal. O vídeo com suas denúncias caiu na internet (e no gosto popular), e a partir de então a rotina de Amanda Gurgel, de 29 anos, não é mais a mesma.
Amanda passou a ser convidada para entrevistas em programas de televisão, como o Domingão do Faustão (Rede Globo) e em outros veículos da mídia nacional, e agora divide o seu tempo com as tarefas de casa, do seu trabalho, as atividades do movimento grevista da sua categoria no Rio Grande do Norte – professores estão com as atividades paralisadas há mais de um mês –, além de palestras, debates e assembleias de educadores que passou a ser convidada em todo o Brasil.
Esta semana, a professora engrossou a multidão que lotou o Plenário 10 da Câmara dos Deputados, na concorrida audiência pública que a comissão especial que trata do PNE – Plano Nacional da Educação realizou com a participação do ministro da Educação, Fernando Haddad.
Amanda Gurgel é graduada em Letras, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), especialista em EJA (Educação para Jovens e Adultos) pela mesma instituição, professora de Língua Portuguesa da rede municipal de Natal, desde 2005; e da rede estadual do RN, desde 2007. É ativista desde o movimento estudantil universitário, e do magistério desde o ingresso na rede municipal. Ela é militante da Central Sindical e Popular (CSP/Conlutas) desde a sua fundação. Ao meio de tantos compromissos, ela nos concedeu a entrevista a seguir.
Como você avalia a audiência do ministro Fernando Haddad com os parlamentares sobre o Plano Nacional de Educação? Ficou claro a vontade tanto da Câmara como do governo em “fazer acontecer” o PNE, ou estão com ‘enrolação’?
Amanda Gurgel de Freitas – Participar da audiência me possibilitou ver, na prática, como as coisas funcionam por dentro das estruturas do poder Legislativo. Avalio a audiência como um espaço limitado de discussões no qual não há apresentação de contrapontos para o debate. Percebi que o ministro é “blindado” e que havia uma garantia de que nenhum questionamento “incoveniente” lhe seria apresentado, já que o espaço para intervenção que solicitei não foi atendido. Seria importante que o ministro se dispusesse a ouvir os segmentos diretamente envolvidos no conteúdo de um plano decenal para a educação, e não apenas os deputados, seja da situação ou da oposição, que estão distantes do funcionamento real de uma escola. Quanto ao desejo por parte do governo de “fazer acontecer” o PNE, é bom que fique muito claro que o projeto que está em tramitação não atende, absolutamente, aos interesses da classe trabalhadora, já que aprofunda e acelera o processo de privatização do Ensino Superior, investe ainda mais na expansão da oferta de vagas sem aumento proporcional dos recursos, e prevê um percentual de financiamento que impossibilitaria qualquer tipo de avanço diante do quadro atual em que se encontra a educação pública no país e por isso dizemos não ao conjunto do PNE do governo Dilma.
Após a audiência, conversamos com o presidente da Comissão Especial do PNE, deputado Gastão Vieira, e ele afirmou que o governo não está a fim de aprovar o Plano. Sobre essa afirmação do presidente, o que você tem a dizer?
Amanda Gurgel – O plano foi elaborado pelo governo, então, não sei se seria interessante para ele (o governo) não conseguir aprová-lo. Penso que existe sim um empenho por parte do governo para essa aprovação, já que ele reafirma a política de privatização da educação implementada por Lula, e garantiria uma série de benefícios aos empresários do setor, dando continuidade a injeção de recursos públicos em instituições privadas, através do Prouni, e ainda com a ampliação desse tipo de benefício aos empresários, através do Pronatec. Digo que quem não tem interesse na aprovação de um plano privatizante e que limita absurdamente os investimentos em educação durante longos dez anos somos nós, os movimentos sociais como um todo; e, sobretudo, os estudantes, que, no final das contas, são os mais prejudicados com as políticas que vem sendo implementadas pelo governo desde FHC, passando por Lula e agora com Dilma.
Particulamente, professora, qual é a sua opinião sobre o PNE?
Amanda Gurgel – O PNE de Dilma é cheio de contradições no próprio texto, quando, por exemplo, prevê nas suas diretrizes a “difusão dos princípios da gestão democrática” e na sua meta 19 prevê a indicação de direções de escolas em regime de cargos comissionados, o que seria um violento retrocesso a uma conquista histórica dos trabalhadores em educação, que é a gestão democrática e que já vem funcionando em alguns estados e municípios. Há contradições também entre o texto – no qual o respeito à diversidade é defendido – e às práticas do governo, que utiliza como moeda de troca, em nome da “governabilidade”, direitos inalienáveis de grupos historicamente oprimidos, como é o recente caso da negociação entre o governo e a bancada evangélica que estavam polarizados entre o caso Palocci e a aprovação do material didático referente ao grupo LGBT a ser distribuído para as escolas. Além disso, o plano constitui um ataque à educação pública e toda a sociedade deve estar atenta a isso, pois esse é o seu aspecto mais grave, uma vez que os parcos recursos de 7% do PIB que estão previstos nele, ainda devem ser distribuídos entre a educação pública e a privada. A nossa ideia é rechaçar o PNE como um todo e aprovar, juntamente com os mecanismos legais e econômicos que o garantam investimento imediato de 10% do PIB, como a única forma de darmos um primeiro passo rumo a mudanças significativas na educação do país.
Em que o PNE pode contribuir para melhorar a qualidade da educação no seu estado, Rio Grande do Norte?
Amanda Gurgel – Da forma como está escrito, o PNE só viria a prejudicar ainda mais a educação não só no Rio Grande do Norte, mas em todo o Brasil, por isso tenho dito que, nesse momento, os deputados só podem se organizar em duas bancadas: a dos “10% do PIB já”, ou a do “analfabetismo funcional”. Cabe a eles escolher o lado em que vão ficar, sabendo que estamos atentos à sua prática e aos seus discursos de campanha, momento em que todos dizem educação e os educadores como prioridade.
Quais são as principais queixas dos profissionais da Educação em seu estado?
Amanda Gurgel – As nossas queixas não são diferentes das constatadas nos outros estados da federação: as nossas escolas estão sucateadas, a merenda oferecida aos alunos é de baixa qualidade, as salas de aula estão super lotadas e não temos condições dignas de trabalho, pois contamos apenas com quadro e giz para desenvolvermos nossas atividades. Mesmo as escolas que contam com os laboratórios de informática – que saem muito bem nas propagandas do governo, já que as máquinas são bonitas – não podem usufruir plenamente dele como ferramenta pedagógica, já que os computadores chegam às escolas em número insuficiente, e a internet oferecida às redes tanto municipais quanto estaduais é insuficiente para ser distribuída entre os terminais. Como se esses problemas não bastassem, nossa jornada de trabalho é extenuante e os nossos salários são insuficientes para garantir o sustento digno de uma família.
Depois das denúncias que você fez, do vídeo que foi parar na internet, das entrevistas em programas nacionais famosos, houve algum sinal do governo estadual para atendimento das reivindicações da categoria?
Amanda Gurgel – Não. A única proposta apresentada pelo governo Rosalba Ciarlini (DEM), após 30 dias de greve, foi a de implementação da lei do piso nacional como percentual do reajuste parcelado em quatro vezes e a partir de setembro. Fomos obrigados a continuar em greve, mesmo porque se voltássemos ao trabalho depois de uma proposta vergonhosa dessas, o péssimo exemplo de Rosalba poderia ser seguido por outros governadores nos estados em que a categoria também está organizada e em greve.
E depois dessas denúncias, o que mudou na sua vida?
Amanda Gurgel – Do ponto de vista estrutural, a minha vida não mudou nada, pois continuo recebendo meu mísero salário e trabalhando do mesmo jeito. A rotina é que está temporariamente alterada, pois tenho recebido convites para palestras, debates e assembleias da categoria em todo o Brasil e tenho me esforçado para conciliar essas atividades com as outras relacionadas à greve do meu estado e ao meu trabalho em Natal. A rotina está apertada, mas é muito bom perceber o apoio que recebo dos meus colegas em Natal e em todo o Brasil e que a cada dia o movimento em defesa da educação pública e dos 10% do PIB já ganha força em todo o Brasil.
Fonte: http://blogdaamanda.com.br/
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